​​Durante a tarde desta quinta-feira (10), o seminário 30 Anos da Convenção sobre os Direitos da Criança foi palco de debates sobre publicidade infantil abusiva, uso excessivo de tecnologias pelo público infantil e impactos das mudanças climáticas nos direitos da criança. Realizado no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o seminário é parte das comemorações do 30º aniversário da corte.

O primeiro painel da segunda parte do evento teve como moderador o ministro do STJ Antonio Carlos Ferreira.

A primeira palestrante foi a advogada Lívia Cattaruzzi, do Instituto Alana. Ao falar sobre o aumento do consumismo infantil, ela citou julgamento histórico da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.558.086, que considerou abusiva a publicidade de alimentos dirigida direta ou indiretamente ao público infantil.

“Pesquisas e estudos mostram que entre seis e oito anos de idade a criança não distingue publicidade de conteúdo de programação; entre oito e 12, a criança não entende o caráter persuasivo da publicidade e, até 12 anos, as crianças não estão em condições de enfrentar com igualdade de força a pressão exercida pela publicidade”, destacou.

A advogada lembrou a importância de se refletir sobre a superexposição de crianças e adolescentes à internet e os impactos do consumo excessivo de telas. “A internet não é terra sem lei. É necessário cumprimento e aplicação da legislação existente no Brasil a respeito dos direitos da criança no ambiente digital.”

Meio ambien​​te

A pesquisadora Joana Nabuco, da Fundação Getulio Vargas, falou sobre o direito infantil ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o aumento das demandas judiciais referentes ao tema. “A intensificação de eventos climáticos desastrosos nos últimos anos levou os países a produzirem uma legislação que defenda o direito das pessoas ao meio ambiente saudável e, com isso, passou a ser possível exigir tal direito no Judiciário.”

“É obrigação proteger as crianças, pensar nas próximas gerações. As crianças são um grupo em situação de especial vulnerabilidade diante dos impactos das mudanças climáticas. Justamente por toda a questão do estágio de desenvolvimento físico, cognitivo, psicológico e imunológico, elas se tornam mais suscetíveis a sofrer com os impactos adversos das mudanças climáticas”, concluiu a pesquisadora.

Orçamento e políticas públ​​icas

No debate que tratou sobre “Orçamento e políticas públicas para a infância”, a deputada distrital Júlia Lucy, mediadora da mesa, ressaltou que é preciso trazer a prioridade estabelecida pela Constituição para as políticas públicas voltadas para as crianças e os adolescentes. Ela destacou a criação da Frente da Primeira Infância na Câmara Legislativa do Distrito Federal, mas observou que, ainda assim, menos de 16% das emendas parlamentares são destinadas a essa fase.

A advogada Thais Dantas, do Instituto Alana, lembrou que a legislação brasileira é muito avançada, mas ressaltou que o cenário do país é de extrema desigualdade. Segundo ela, quase 50% das crianças de até 14 anos vivem em situação de pobreza, o que representa cerca de 29 milhões de pessoas. “Isso só pode ser alterado se, de fato, crianças e adolescentes forem colocados em primeiro lugar no âmbito de políticas, de serviço e de orçamento”, disse.

Em sua fala, a assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos Márcia Acioli analisou o orçamento federal dos últimos anos e observou que há uma queda no valor destinado às políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes a partir de 2016. Para ela, é preciso explicitar esses valores em todas as peças orçamentárias, a começar pelo Plano Plurianual, para promover transparência e condições para o controle social. Além disso, ressaltou que é necessário efetivar a priorização dos menores na elaboração de políticas públicas e na destinação orçamentária, além de assegurar a plena execução do orçamento destinado a eles, não contingenciando recursos nessa área.

O consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) Benedito dos Santos falou sobre a gradual conquista de direitos das crianças e adolescentes nas normas internacionais, ressaltando que o século passado universalizou esses direitos. Nesse sentido, lembrou a importância da Convenção sobre os Direitos da Criança e a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil, do qual participou como um dos redatores. Para ele, foram feitos grandes avanços na legislação, mas a realidade do país ainda é muito desigual, faltando articulação entre as políticas econômicas, sociais e de proteção das crianças e adolescentes.

Legislaç​ão

“A lei endureceu, e a lei também deve suavizar em benefício da prioridade absoluta da criança, como ocorreu no caso das mulheres grávidas e das mães com filhos menores de 12 anos, que podem cumprir prisão domiciliar.” Foi assim que o ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, mediador do painel “Mobilização pelos direitos da criança e do adolescente”, analisou a legislação referente à infância e à adolescência no último painel do dia.

Segundo o ministro, ainda são necessários avanços na implementação das leis, mas também ocorreram avanços nas conquistas dos direitos das crianças. “Vejam bem o que é hoje o conceito de estupro de vulnerável. O adulto que se aproxima da criança e que utilize, embora não haja conjunção carnal, de qualquer mecanismo com intenção libidinosa pratica estupro”, exemplificou.

Violência es​​colar

O painel apresentou, ainda, o tema “Escolas públicas de ensino médio”. O juiz titular da 1ª Vara Civil de Infância e Juventude de Águas Lindas de Goiás, Felipe Levi Jales Soares, mencionou que o Brasil ocupa a segunda posição no ranking de violência escolar, de acordo com a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem. Para aprofundar o estudo sobre o tema, o juiz propõe a adoção de um indicador.

“Os objetivos e as variáveis do indicador ainda estão em fase de desenvolvimento, mas como exemplo posso citar a identificação de espaços não governáveis. No Brasil, temos um exemplo clássico, que são os presídios. Normalmente, o presídio vem a ser um lugar não governável, onde a criminalidade organizada dita suas regras. O que me proponho a fazer é estudar se as escolas públicas de ensino médio no Brasil seguem o mesmo caminho e como estarão daqui a dez anos”, explicou Felipe Levi.

Desigualdad​es

A gerente de gênero e incidência política da organização não governamental Plan International Brasil, Viviana Santiago, analisou o tema “A importância de considerar desigualdades na defesa e promoção dos direitos da infância”. Além de abordar diversas questões relacionadas a diversidade, ela destacou a questão étnica.

“Temos uma questão de classe e insistimos em achar que estamos falando só de pobreza. Há alguns meses, um noticiário nacional divulgou uma reportagem que comoveu o Brasil. A reportagem tratava de um grupo de crianças pedintes no semáforo que escandalizava todas as pessoas que passavam, porque elas não deviam estar ali. Eram crianças brancas – nas palavras da reportagem –, loiras, de olhos verdes e bonitas, ou seja, existem aqueles e aquelas que merecem viver, que não deveriam estar no sinal, e existem os que podem ser deixados a morrer”, criticou.

Uni​​dade

A palestra da filósofa da Nova Acrópole Lúcia Helena Galvão Maya encerrou o encontro. Ela apresentou o trabalho social desenvolvido pela instituição com o ensino de filosofia para crianças e com o programa Criança para o Bem, e convidou os interessados a participarem como voluntários das ações para a promoção da infância.

Segundo Lúcia Helena, o ser humano deve buscar a unidade, deve buscar aprender a amar a natureza humana. “Se a gente falasse mais das semelhanças entre os seres humanos, no lugar de falar das diferenças, talvez resolvêssemos melhor nossos problemas. Se cada um descobrisse essas semelhanças dentro de si, a unidade entre os seres humanos se tornaria uma coisa natural. Quem sonha atrai para si todos os que sonham”, afirmou.

Para Lúcia Helena, a causa de todos os males atuais é o egoísmo, mas, quando o ser humano começa a perceber o que é real, o que é válido, o que na vida faz diferença, ele consegue encontrar o que há de melhor no outro.

“A humanidade, como um todo, é uma coisa só. Se nós somos um, a maior parte de mim são os outros. E há que conhecer essa grande parte de mim. Fraternidade significa conhecer aquela parte de mim que está nos outros. Todos nós somos fator de soma na vida do outro. E devemos curtir isso sabendo que hoje fomos pessoas que promoveram a unidade, que vencemos no dia de hoje o egoísmo”, concluiu.