O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, suspendeu neste sábado (20) a liminar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que impedia a aplicação da prova de redação do Enem para candidatos com deficiência que não conseguem se expressar por escrito – por exemplo, os estudantes com paralisia cerebral.​​​​​​​​​

Para o ministro Humberto Martins, a liminar do TRF4 teria impacto negativo em todo o planejamento estratégico da política educacional brasileira.

A prova de redação será aplicada neste domingo (21), primeiro dia do Enem 2021. A decisão do TRF4 determinava que essa etapa do exame não fosse considerada no resultado final para os candidatos cujos impedimentos exigiriam outro modelo de avaliação.

Segundo Humberto Martins, a liminar colocou em risco a realização de todo o Enem, e sua manutenção causaria prejuízo aos mais de 3,3 milhões de candidatos inscritos no país.

“Tal inevitável consequência impactará negativamente em todo o planejamento estratégico desenhado pela administração pública para a concretização da política educacional desenvolvida por diversos órgãos públicos técnicos com expertise temática, após anos de experiência prática, de estudos especializados, de diálogos institucionais e debates técnico-acadêmicos”, afirmou.

A suspensão determinada pelo STJ é válida até o trânsito em julgado da ação que discute as regras de realização da prova de redação para os candidatos com impedimento físico.

Adaptações no sistema de avaliação

Na origem da demanda, o Ministério Público Federal em Santa Catarina entrou com uma ação civil pública para obrigar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem, a implementar um sistema de avaliação adequado para esses candidatos, em substituição à prova escrita.

A ação surgiu após o MPF receber reclamações de famílias de candidatos que não conseguem realizar a redação devido às suas limitações físicas, apesar das opções de acessibilidade oferecidas pelo Enem.

O MPF pediu que fosse desconsiderada a nota zero dos candidatos que não conseguiram fazer a redação em 2020 e que o Inep fosse obrigado a instituir um sistema de avaliação alternativo para 2021.

Na última semana de outubro, o TRF4 concedeu a liminar suspendendo o cômputo da nota da redação de 2020 para os candidatos com deficiência que tiraram zero por falta de acessibilidade, até que o MEC implemente um modelo de avaliação adequado a esse grupo. A liminar fixou ainda o prazo de 120 dias para o Inep promover as adaptações necessárias em relação à prova de redação, sob pena de multa diária.

Interferência do Judiciário exige prova inequívoca de ilegalidade

Para a Advocacia-Geral da União (AGU), ao impedir a aplicação da prova de redação no Enem deste ano, ainda que para um público específico, e determinar a desconsideração de eventual nota zero, a decisão do TRF4 produz reflexos “concretos e imediatos em todos os programas e políticas públicas relacionados ao ingresso no ensino superior”, caracterizando, na visão do governo federal, lesão à ordem pública e administrativa.

A AGU alegou que a alteração das notas do Enem 2020 provocaria efeitos “nefastos” sobre situações jurídicas válida e legitimamente constituídas, prejudicando todo o sistema de ensino superior brasileiro.

Ao analisar os argumentos da União, o ministro Humberto Martins disse que está caracterizada no caso a lesão à ordem e à economia públicas, pois o Judiciário não pode substituir o Poder Executivo em suas atribuições, interferindo na execução de política pública sem a demonstração inequívoca de ilegalidade.

“Se permitirmos que os atos administrativos do Poder Executivo não possuam mais a presunção da legitimidade ou veracidade, tal conclusão jurídica configuraria uma forma de desordenar toda a lógica de funcionamento regular do Estado com exercício de prerrogativas que lhe são essenciais”, alertou o ministro. Ele explicou que não é admissível que o Judiciário, em situações como essa, atue sob a premissa de que os atos administrativos são realizados em desconformidade com a legislação.

O presidente do STJ destacou que, como apontado pela AGU no pedido de suspensão, existem dezenas de recursos oferecidos aos candidatos com deficiência para a realização da prova, em todos os seus aspectos.

“Esses recursos devem ser considerados, em princípio, suficientes, já que estabelecidos com base em critérios técnicos firmados por órgãos públicos tecnicamente capacitados”, concluiu Humberto Martins ao permitir a realização do Enem de acordo com o cronograma previsto.

Leia a decisão na SLS 3.025.