O simpósio internacional Povos Indígenas: Natureza e Justiça, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), terminou nesta terça-feira (18) após dois dias dedicados a reflexões sobre os direitos e as lutas históricas dos povos originários.

A parte final do evento teve painéis dedicados ao olhar internacional sobre as causas dessas populações e a participação do fotógrafo Sebastião Salgado, cuja exposição Povos Indígenas: Natureza e Justiça foi inaugurada no tribunal após a abertura do simpósio, na segunda-feira (17). O encontro contou com patrocínio do Banco do Brasil e o apoio do Ministério dos Povos Indígenas e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).​​​​​​​​​

Participantes dos debates do simpósio Povos Indígenas: Natureza e Justiça, no encerramento do encontro. | Foto:  Emerson Leal/STJ

Durante o painel “A questão indígena: Justiça e Arte”, conduzido pelo ministro Luis Felipe Salomão, o fotógrafo afirmou que o Poder Judiciário foi o principal aliado dos povos originários durante os últimos anos. Segundo Salgado, se suas obras e a exposição apresentada no STJ sensibilizarem mais juízes e promotores daqui para a frente, seu objetivo terá sido alcançado. “O Judiciário tem um grande efeito multiplicador”, destacou.

Povos indígenas representam história da humanidade e equilíbrio com a natureza

Na visão de Salgado, o fotógrafo deve ter a capacidade de entender a realidade e traduzi-la por meio de uma imagem. “Eu vivi no Amazonas, dormi em rede, tomei banho de rio e fui picado por insetos, tudo para entender a comunidade”, contou.

Ele explicou que o registro fotográfico ocorre em uma fração de segundo, mas pode exigir anos de investimento: “Tínhamos que montar expedições, trazer nossa própria comida, mateiros, cozinheiros e tradutores. Tínhamos que ter autorização da Funai e da própria tribo. Tudo para entender essas comunidades”.

Para Sebastião Salgado, registrar os povos indígenas representa o privilégio de conhecer um pouco da pré-história e de um povo ainda em equilíbrio com a natureza. “Sou fotógrafo há quase 50 anos e trabalhei em todo o mundo. Poucas coisas foram tão gratificantes como fotografar na Amazônia”, concluiu.

Povos originários e direito comparado sob a ótica do Canadá e da Nova Zelândia

Na apresentação do painel “Justiça e Povos Originários no Direito Comparado”, participaram, por videoconferência, a ministra da Suprema Corte do Canadá Michelle O’Bonsawin e o ministro da Suprema Corte da Nova Zelândia Joe Williams. No auditório externo do STJ, estiveram o ministro-conselheiro do Canadá no Brasil, Simon Cridland, e o embaixador da Nova Zelândia no Brasil, Richard Prendergast. O ministro do STJ Herman Benjamin, coordenador científico do simpósio, atuou como moderador do painel.​​​​​​​​​

À direita do líder indígena Bira Yawanawá, o ministro Herman Benjamin foi o coordenador científico do simpósio. | Foto: Emerson Leal/STJ

Joe Williams, representante da etnia Maori, iniciou sua fala entoando uma invocação que celebra suas origens: “Somos um povo da terra, do mar e das florestas”.

Ele ressaltou a necessidade de que juízes entendam a história dos povos originários para o pleno desempenho de suas funções jurisdicionais. “É preciso demonstrar humildade, empatia e habilidade técnica para que operemos a justiça com base nos fatos, não em escolhas pessoais”, declarou.

Michelle O’Bonsawin, representante da etnia Abenaki, também introduziu sua apresentação com uma declaração em seu idioma nativo e destacou aspectos jurídicos de proteção dos direitos dos povos aborígenes do Canadá, como o dever de consulta, aplicado em situações que potencialmente causem impacto nessas populações. 

Ao fim do painel, o ministro Herman Benjamin apontou semelhanças na abordagem da Justiça nos três países, afirmando que “essas duas aulas de direito comparado são apenas o início de um diálogo mais amplo entre a Justiça brasileira, a Justiça canadense e a Justiça da Nova Zelândia”.

Reconhecimento de personalidade jurídica passa por consulta prévia

Na sequência, o painel “Povos Originários na Perspectiva do Sistema Interamericano de Direitos Humanos” contou com a participação, por videoconferência, de Ricardo C. Pérez Manrique, presidente da Câmera Interamericana de Direitos Humanos; do líder indígena Bira Yawanawá; e da coordenadora do Movimento da Juventude Indígena, Txai Suruí. A moderação foi do ministro do STJ Paulo Sérgio Domingues.

Como representante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Ricardo C. Pérez Manrique apresentou o desenvolvimento da jurisprudência sobre o direito das populações indígenas, citando casos concretos. Em seguida, salientou a importância da consulta prévia dos povos indígenas como forma de reconhecimento de personalidade jurídica e de garantia de seus direitos.

“É necessário reconhecer as injustiças estruturais causadas a milhões de pessoas pelo processo de colonização, assim como as violações de direitos humanos que seguem sendo cometidas contra os povos indígenas até hoje”, declarou.

Ao fim do painel, Txai Suruí demonstrou preocupação com o efetivo cumprimento da jurisprudência estabelecida em defesa dos povos originários, ao passo que Bira Yawanawá externou esperança em um futuro mais justo e solidário.

Restrições aos direitos dos povos indígenas seriam afronta no cenário atual

A ministra do STJ Assusete Magalhães conduziu o painel de encerramento do simpósio, que teve como conferencistas o vice-presidente da corte e do Conselho de Justiça Federal (CJF), ministro Og Fernandes; o embaixador do Canadá, Emmanuel Kamarianakis; e o embaixador da Nova Zelândia, Richard Prendergast; e o embaixador da Noruega, Odd Magne Ruud.

O início da apresentação ainda teve as participações do senador Rodrigo Cunha, representando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco; e do deputado federal Zé Silva, que falou em nome do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Assusete Magalhães abriu sua fala destacando a evolução dos direitos dos povos indígenas nas constituições brasileiras e o fortalecimento dos movimentos que reivindicam os direitos dessas populações ao longo do tempo. “Nesse momento, restrições a direitos dos povos indígenas representariam uma afronta no âmbito internacional da garantia dos direitos humanos”, disse a ministra.

O ministro Og Fernandes abordou a necessidade de ser humilde diante dos ensinamentos dos povos originários, ao revelar que foi alertado por Txai Suruí que o uso do termo “tribos”, atualmente, é considerado pejorativo. “Ela explicou que eles querem ser identificados como povos, etnias ou nações indígenas, e assim gostam de ser reconhecidos”, contou.

Embaixadores detalham aprendizado com povos originários ao redor do mundo

Em seguida, o embaixador do Canadá, Emmanuel Kamarianakis, afirmou que seu país e o Brasil buscam caminhos de reconciliação com os povos originários. “Historicamente, nosso governo negou os direitos de grupos étnicos ao retirar crianças indígenas de suas casas e de suas famílias”, relatou.

O embaixador da Nova Zelândia, Richard Prendergast, fez uma saudação na língua do povo Maori e explicou como conceitos dessa cultura ancestral são aplicados em diversos setores do governo, especialmente na diplomacia e no comércio exterior.

Por fim, o embaixador da Noruega, Odd Magne Ruud, falou sobre a parceria entre seu país e o Brasil em ações voltadas para o meio ambiente e também detalhou a experiência norueguesa com seus povos originários. “A criação do Ministério dos Povos Indígenas é um avanço para o Brasil. Na Noruega, o povo Sami tem seu próprio parlamento”, lembrou o embaixador ao se referir ao grupo étnico nativo do país nórdico.

Veja mais fotos do simpósio no Flickr do STJ.

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