Autor: Paulo Egídio Seabra Succar

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Data de produção: 20/10/2024

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Resumo

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Esta análise critica o Projeto de Reforma do Código Civil, especialmente os artigos 966 e 966-A, que confundem conceitos fundamentais do direito empresarial. O artigo 966 falha ao não definir corretamente o empresário, misturando empresa, estabelecimento empresarial e personalidade jurídica, resultando em insegurança jurídica e dificuldades práticas, como a definição do órgão registrário e a legitimidade para pedidos de falência e recuperação judicial. O artigo 966-A é desnecessário, pois os princípios que tenta elencar já são abordados pela doutrina, comprometendo a clareza e a autonomia do direito empresarial.

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Palavras-chave em português: Art. 966, Art. 966-A, Código Civil, Reforma legislativa, Empresário, Direito empresarial, Personalidade jurídica, Teoria da empresa, Princípios empresariais, Recuperação judicial, Falência.

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1. INTRODUÇÃO

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A proposta de reforma do Código Civil brasileiro, focada nos artigos 966 e 966-A, levanta questões críticas sobre a definição do empresário e a estrutura do direito empresarial. Esses dispositivos confundem conceitos essenciais, deixando lacunas que afetam a segurança jurídica e a aplicação correta das normas empresariais. Suas falhas impactam desde a definição de empresário até questões como recuperação judicial e falência, além de influenciar a relação entre o direito empresarial e outras áreas, como o direito civil e consumerista.

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2. A ANÁLISE CRÍTICA DOS ARTIGOS 966 E 966-A E SEUS IMPACTOS NO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO

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A proposta de reforma dos artigos 966 e 966-A do Código Civil brasileiro apresenta preocupações significativas para o direito empresarial, afetando diretamente a segurança jurídica e a autonomia dessa área do direito.

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Isso em mente seguem respectivamente os artigos mencionados:

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O artigo 966, que define o conceito de empresário, é essencial para determinar quem pode requerer recuperação judicial, ser réu em pedidos de falência e em quais situações o direito empresarial deve prevalecer sobre outras áreas, como o direito civil ou o consumerista. No entanto, a nova redação proposta mistura conceitos importantes, como empresa, estabelecimento empresarial e personalidade jurídica, o que compromete a aplicação coerente das normas.

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Atualmente, o artigo 966 define o empresário como aquele que exerce atividade econômica organizada de forma profissional para a produção ou circulação de bens e serviços. A proposta de alteração redefine “empresa” como a organização de fatores de produção que circula riquezas com o objetivo de lucro, introduzindo termos vagos como “ambiente de mercado” e “prestígio aos valores sociais do trabalho”. Esses conceitos, sem fundamentação clara na doutrina ou jurisprudência, criam insegurança jurídica e dificultam a aplicação consistente do direito empresarial, pois abrem espaço para múltiplas interpretações.

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Outro ponto crítico é a criação do artigo 966-A, que introduz princípios como liberdade de iniciativa, autonomia privada e preservação da empresa. Embora esses princípios já sejam amplamente reconhecidos pela doutrina e jurisprudência, sua codificação é desnecessária e pode gerar confusão. O direito empresarial brasileiro historicamente se orienta por princípios não legislados, que garantem flexibilidade e adaptação às circunstâncias específicas. Codificar esses princípios poderia engessar a aplicação prática do direito empresarial, além de introduzir potenciais conflitos interpretativos.

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Além disso, a proposta de reforma confunde a atividade empresarial com o estabelecimento empresarial, que são distintos. O estabelecimento empresarial, conforme o artigo 1.142 do Código Civil, é o conjunto de bens organizados para a atividade do empresário. A reforma ignora essa distinção, o que pode gerar impactos negativos, como a aplicação inadequada das normas sobre penhora e sucessão empresarial.

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Outro erro está na tentativa de vincular o conceito de empresário ao “escopo de lucro”. O lucro já foi afastado como requisito definidor do empresário, visto que a atividade empresarial pode envolver objetivos econômicos mais amplos. A introdução de termos como “ambiente de mercado” e “valores sociais do trabalho” desvia o foco do direito empresarial, que deve priorizar a segurança jurídica e a previsibilidade das normas.

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Por fim, o artigo 966-A, que lista princípios como liberdade de iniciativa e autonomia privada, é redundante e desnecessário. Esses princípios já são amplamente aceitos e aplicados pela doutrina e jurisprudência. Sua inclusão no Código Civil apenas reforça a tendência de sobrecarregar o texto legislativo com elementos que já são interpretados de forma dinâmica pelos tribunais e pela doutrina.

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Em resumo, a proposta de reforma dos artigos 966 e 966-A compromete a clareza e a consistência do direito empresarial brasileiro. A confusão conceitual, a introdução de termos vagos e a tentativa de codificar princípios já reconhecidos enfraquecem a segurança jurídica e a autonomia do direito empresarial, criando um ambiente de incerteza que pode prejudicar o desenvolvimento econômico e a confiança dos empresários.

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3. CONCLUSÃO

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Desde o início, sempre nos opusemos à adoção da teoria da empresa no Brasil, defendendo a dicotomia tradicional do direito privado, que separa o direito civil do direito comercial, como ocorre nos países de origem romano-germânica desde o Código de Napoleão. Argumentamos que essa separação permite uma melhor regulação das relações empresariais, enquanto o direito civil perde relevância, exceto em questões familiares e de sucessão. No entanto, prevaleceu a visão do Prof. Sylvio Marcondes, e há quase 23 anos o Brasil adota a teoria da empresa, com instituições e jurisprudência já adaptadas a essa lógica. A proposta de reforma do Código Civil que tenta modificar essa definição é vista como prejudicial tanto para o direito empresarial quanto para os empresários.

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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Paulo Egídio Seabra Succar

Minibio: Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É professor de Direito Empresarial em cursos de graduação e pós-graduação. Mestre em Direito Espanhol pela Universidad de Valladolid e em Arbitragem pela EPD, é doutorando pela FADISP. Membro da Comissão de Direito Societário da Ordem dos Advogados do Brasil e do Comitê de Ensino Jurídico e Relações com Faculdades do CESA (Centro de Estudo das Sociedades de Advogados).