Autora: Vanessa Regina Andreatta
Data de produção: 24/09/2025
O termo Brasilwashing, foi cunhado pela jornalista Néli Pereira em 2024, e surge no direito ambiental internacional como uma adaptação ao conceito internacional de greenwashing (lavagem-verde). Enquanto este último denuncia a promoção enganosa de práticas ambientais supostamente sustentáveis, o Brasilwashing refere-se à construção de uma imagem romantizada do Brasil, centrada em elementos culturais e naturais seletivamente exaltados como o samba, a bossa nova, o carnaval, a Amazônia ou a “cordialidade” do povo brasileiro, em detrimento das contradições históricas, sociais e ambientais do país.
A prática do Brasilwashing é visível em campanhas publicitárias estatais, no marketing corporativo e em discursos oficiais que projetam um “Brasil para inglês ver”. Trata-se de uma estratégia que atende tanto a interesses políticos quanto comerciais, promovendo uma visão de harmonia racial, diversidade cultural e compromisso ambiental, ao mesmo tempo em que oculta desigualdade estrutural, violência, racismo e degradação ambiental.
O Dilema Ético: Valorização ou Usurpação Cultural?
Um dos eixos centrais do Brasilwashing é a apropriação da cultura nacional. De um lado, há experiências de valorização genuína, como o turismo de base comunitária em comunidades caiçaras, que respeita o protagonismo local e promove a inclusão. De outro, proliferam casos de usurpação cultural, nos quais símbolos e conhecimentos tradicionais são extraídos de seus contextos originais e transformados em mercadorias globais. O exemplo do adoçante Stevia, descoberto e utilizado por indígenas guaranis, ilustra essa dinâmica: multinacionais exploraram o conhecimento ancestral sem retribuição justa às comunidades tradicionais. Casos como esse revelam como o Brasilwashing se ancora na lógica da mercantilização, mascarando práticas exploratórias sob o rótulo de sustentabilidade ratificação do Protocolo de Nagoia pelo Brasil em 2021 aparece como um marco jurídico relevante nesse debate.
O Protocolo de Nagoia estabelece mecanismos de repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do uso de recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado. Ainda assim, sua implementação enfrenta resistência diante da força das narrativas idealizadas que esvaziam a complexidade cultural e socioambiental do país.
As Contradições entre Discurso e Realidade
A análise de dados socioeconômicos e ambientais no Brasil desmonta a fachada construída pelo Brasilwashing. Enquanto campanhas oficiais falam em “terra de oportunidades”, indicadores como o Índice de Gini de 0,518 e a presença de mais de 335 mil pessoas em situação de rua em 2025 expõem o abismo social brasileiro. Da mesma forma, o mito da democracia racial contrasta com a realidade de que 76,5% das vítimas de homicídio são negras, segundo o Atlas da Violência (IPEA, 2024).
No plano ambiental, a imagem de um Brasil guardião da natureza entra em choque com os números do MapBiomas, que apontam para o desmatamento de mais de 5.000 hectares por dia em 2023, o que equivale a cerca de 8 arvores por segundo. A própria Amazônia, símbolo global da sustentabilidade, é frequentemente utilizada como produto de marketing, associada a campanhas corporativas e turísticas que ocultam práticas predatórias e a exclusão das comunidades locais, como no show da cantora Mariah Carey em setembro de 2025, em Belém sob um palco flutuante em forma de Vitoria Regia para somente 500 convidados.
Essas contradições têm efeitos práticos: reforçam a alienação da população frente ao discurso oficial, alimentam o ceticismo político e conspurcam a credibilidade do Brasil perante organismos internacionais e parceiros comerciais.
Repercussões Internacionais e Diplomacia Ambiental
No campo externo, o Brasilwashing compromete a imagem do país em fóruns multilaterais e negociações internacionais. Ao projetar-se como potência verde, mas conviver com índices alarmantes de desmatamento, violência e desigualdade, o Brasil perde coerência diplomática. Exemplos recentes são ilustrativos: a não adesão à Declaração de Nice sobre Poluição Plástica em 2025, mesmo sendo anfitrião da COP30, gerou críticas à falta de consistência na política ambiental brasileira.
Da mesma forma, as exigências da União Europeia no contexto da Lei Antidesmatamento (EUDR) exigindo que, produtos brasileiros comprovem sua origem livre de desmatamento para entrarem no mercado europeu reforçam que não basta a narrativa; é preciso comprovar compromissos efetivos com sustentabilidade e direitos humanos.
Nesse sentido, o Brasilwashing, longe de fortalecer a diplomacia ambiental, gera desconfiança e resistência internacional, fragilizando a posição brasileira em negociações estratégicas.
Conclusão
O Brasilwashing é mais que uma manipulação e uma mentira verde: trata-se de um fenômeno político e social que distorce a realidade, legitima privilégios e compromete o avanço da justiça socioambiental. Contudo, reconhecer essa prática é também o primeiro passo para superá-la.
A alternativa está na construção de narrativas informacionais e inclusivas, capazes de incorporar as vozes historicamente marginalizadas — indígenas, quilombolas, comunidades periféricas — e valorizar a diversidade sem negar as contradições. Como aponta Milton Santos, globalização e identidade nacional são campos de disputa, e é nesse espaço que o Brasil pode reinventar sua autoimagem e sua presença no mundo.
Combater o Brasilwashing, portanto, é mais do que exigir coerência discursiva: é apostar em representações honestas que estimulem transformações estruturais, democratizem o acesso à informação e fortaleçam a cidadania ambiental, em consonância com o artigo 225 da Constituição e os objetivos da Agenda 2030. Diga não ao Brasilwashing!
Referência bibliográfica:
ANDREATTA, Vanessa Regina; OKUMURA, Daniela Bucci. As duas faces do Brasilwashing: da imagem idealizada à narrativa informacional e inclusiva. In: MENEZES, Wagner (org.). Direito Internacional em Expansão: O Direito Internacional e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Anais do 23º Congresso Brasileiro de Direito Internacional, v. 28. São Paulo: Arraes Editora, p. 516-536, 2025.
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP.
Vanessa Regina Andreatta
Minibio: Mestranda em Função Social do Direito (FADISP). Advogada. Membro da Comissão de Relações Internacionais da OAB/MG. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito Internacional e Política (NEPEDI) da UERJ.