Em abril, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em sessão plenária, a instituição do Dia da Memória do Poder Judiciário: 10 de maio passou a integrar o calendário da Justiça para celebrar um patrimônio cultural construído desde o Brasil Colônia e legado para as gerações presentes e futuras. O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, foi o relator da proposta que deu origem à Resolução 316/2020. Segundo o ministro, “somos os guardiões de uma história que moldou e construiu nossas instituições judiciárias”.
A sugestão partiu do comitê do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário (Proname), que incentiva e apoia ações de preservação e divulgação da herança histórica da Justiça em todo o país. O objetivo é promover a conservação do acervo memorial dos tribunais, bem como homenagear as personalidades que marcaram a história da Justiça brasileira. Existem documentos, processos, objetos e imóveis, bibliotecas e museus que contam, por esse prisma, a história da sociedade e do Estado.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma unidade assume o papel de testemunhar a evolução histórico-jurídica do país. A Secretaria de Documentação (SED) faz jus à teoria clássica dos bens culturais, ao manter sob a sua responsabilidade a tríade museu, arquivo e biblioteca. Hoje, a SED é composta por três coordenadorias (Gestão Documental, Memória e Cultura, Biblioteca), voltadas especialmente para a proteção do patrimônio cultural da corte.
Por que 10 de maio?
A data faz referência ao alvará de 10 de maio de 1808, por meio do qual Dom João VI criou a Casa da Suplicação do Brasil. A iniciativa foi implementada dois meses após a família real se estabelecer no Rio de Janeiro, onde chegou em 7 de março daquele ano, após uma temporada em Salvador, fugindo da ameaça de invasão pelas tropas de Napoleão Bonaparte em Portugal.
A medida marca a independência da Justiça brasileira em relação à portuguesa. Com a criação da Casa da Suplicação do Brasil, os recursos de apelações e agravos passaram a ser julgados no Rio de Janeiro, e não mais em Lisboa. O alvará de D. João VI determinava que “a Relação desta cidade se denominará Casa da Suplicação do Brasil e será considerada como Superior Tribunal de Justiça para se findarem ali todos os pleitos em última instância”. Neste ano de 2020, nossa Justiça comemora 212 anos.
Pensando nisso, o CNJ preparou duas sessões especiais – a primeira foi conduzida na última quinta-feira (7), na sede do STF, e a outra será realizada na terça (12), no próprio conselho. Além disso, o CNJ criou um selo comemorativo e disponibilizou em seu site informações sobre a data, inclusive com matérias produzidas por outros órgãos da Justiça, que poderão participar pelo Portal de Comunicação Integrada do Poder Judiciário.
Gestão documental
O coordenador de Gestão Documental do STJ, Júlio Cesar Souza, afirma que parte da memória institucional se encontra registrada em documentos de arquivo, pela capacidade que eles possuem de registrar os fatos, preservar e estender no tempo suas evidências. “São testemunhos importantes da evolução da instituição e de suas relações com a sociedade, e constituem importante fonte de pesquisa.”
Para atender ao pesquisador, não basta à instituição guardar documentos. Segundo o coordenador, eles precisam ser tratados, organizados e estar disponíveis. Nesse aspecto, a gestão documental é fundamental. Só ela, com a aplicação de técnicas e instrumentos específicos, pode garantir que documentos de valor histórico sejam separados daqueles sujeitos à eliminação.
Arquivo virtual
Um exemplo da importância desse tratamento arquivístico para a preservação da memória institucional é o Arquivo.Cidadão. Nesse ambiente virtual, estão disponíveis para consulta vários conjuntos documentais acumulados pelo STJ. São documentos recolhidos para a posteridade em razão do valor que possuem como prova ou fonte de informação para o tribunal e a sociedade.
Em 2019, mais de 49 mil pessoas visitaram o acervo virtual e puderam ter acesso a documentos como as fotos da construção da sede do tribunal ou processos que definiram entendimentos jurídicos sobre temas relevantes. São registros da evolução da corte e da sociedade, preservados a serviço da memória do país.
Na página do Arquivo.Cidadão, o usuário tem acesso ao boletim MomentoArquivo, que a cada mês relata um caso de repercussão julgado ao longo dos 30 anos de história do tribunal.
O portal do STJ também traz informações sobre o processo de sua criação na Constituinte de 1988, os antecedentes históricos e as transformações posteriores, até a era do processo eletrônico.
Museu
A memória do STJ tem um lugar cativo na sede do tribunal. Logo na entrada do Museu, o visitante se depara com vestes talares e um habeas corpus escrito em papel higiênico – lembrando que a Justiça é para todos.
Há um vídeo explicativo sobre o tribunal, móveis históricos e a galeria com a primeira composição da corte, proveniente do Tribunal Federal de Recursos (TFR) – cujos magistrados, servidores e recursos materiais foram incorporados ao STJ na instalação do novo tribunal, em 1989.
O Museu tem uma sala onde a história do extinto TFR se confunde com os primeiros passos do STJ. Os 42 anos da instituição que deu origem ao STJ são contados nessa exposição permanente do acervo do extinto tribunal.
Criado pela Constituição de 1946 e instalado em 1947 como segunda instância da Justiça Federal, o TFR é relembrado nessa mostra, que tem a finalidade de aproximar o Judiciário do cidadão, revelando a formação da cultura jurídica do país, com suas ideias e seus personagens.
A exposição permite uma viagem aos tempos em que a Justiça funcionava com procedimentos artesanais. Um exemplo dessa realidade tão distante do processo eletrônico é a mesa de madeira com estrutura em ferro na qual os volumes dos processos em papel eram remontados. Utilizada até 1992, a mobília traz as marcas das perfurações deixadas pela furadeira que abria caminho para os barbantes na costura feita com a ajuda de uma sovela – um tipo de agulha grossa.
Também compõe a mostra a mesa da sala de julgamentos da primeira sede do TFR. A exposição reúne, ainda, processos, documentos, vestimentas e fotografias que retratam como era a atividade judiciária do tribunal ancestral do STJ.
Patrimônio de todos
Para o chefe da Seção de Memória e Difusão Cultural do STJ, Evanildo Carvalho, “a memória é o principal ingrediente das construções identitárias, pois cria e fortalece nos indivíduos as ideias de pertencimento e, a partir disso, fundamenta os laços de reconhecimento e solidariedade no interior de uma comunidade, o que resulta na coesão social”. Segundo ele, reconhecer e trabalhar a memória como um valor “é o que alicerça e assegura a identidade da organização, sua conformação no espaço social”.
O espaço destinado à memória da instituição oferece ao público uma galeria de arte contemporânea, cujas exposições temporárias integram um calendário anual.
O tribunal mantém diversos programas educativos que promovem visitas de estudantes de todos os níveis e grupos de idosos ao museu e outras dependências.
O Museu do STJ fica disponível para visitação de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h. No momento, porém, em virtude da pandemia da Covid-19, a sede do STJ está fechada para o público.
O acervo do Museu do STJ pode ser conhecido também pela internet.
STJ 30 anos
Entre dezembro de 2018 e abril de 2019, o site do STJ publicou a série de reportagens 30 anos, 30 histórias, em comemoração aos 30 anos de instalação do tribunal. Criada com a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, a nova corte foi oficialmente instalada em 7 de abril de 1989.
A iniciativa da Secretaria de Comunicação Social teve o objetivo de resgatar a memória de três décadas de prestação jurisdicional por meio de 30 personagens que, de alguma forma, tiveram suas vidas afetadas pelos julgamentos ou contribuíram, muitas vezes de forma anônima, para a construção dessa história.
A série de reportagens deu origem a uma exposição multimídia, aberta em 2 de outubro de 2019 na sede do tribunal, e também a uma edição especial da revista digital Panorama STJ.
Biblioteca digital
Com quase 130 mil documentos, a Biblioteca Digital Jurídica (BDJur) é um dos maiores acervos digitais jurídicos da América Latina. Atualmente, usuários do Brasil e do exterior acessam a plataforma para visualizar – e baixar – itens como livros, artigos jurídicos, palestras, bibliografias, conteúdos doutrinários, obras de arte, textos da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR), além de documentos produzidos pelo próprio STJ.
Criada em 2005, a BDJur foi a primeira biblioteca digital do Poder Judiciário inscrita sobre uma plataforma livre, permitindo acesso direto ao seu conteúdo por meio de ferramentas de busca. O repositório de material jurídico e administrativo é mantido pelo STJ. Além disso, estão disponíveis obras raras, artigos e palestras em vídeo de juristas renomados, trabalhos acadêmicos (de autoria dos ministros e servidores) e mais de 130 títulos de revistas jurídicas das principais editoras do país.