O ato administrativo – espécie de ato jurídico – é toda manifestação unilateral de vontade da administração pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato resguardar, adquirir, modificar, extinguir ou declarar direitos, ou, ainda, impor obrigações aos administrados ou a si própria.

Esse é um dos temas mais estudados no âmbito do direito administrativo e, da mesma forma, um dos mais frequentes nas ações ajuizadas contra a administração pública. Em razão do poder discricionário da administração, nem todas as questões relativas ao ato administrativo podem ser analisadas pelo Judiciário – que, em geral, está adstrito à análise dos requisitos legais de validade, mas também deve aferir o respeito aos princípios administrativos, como os da razoabilidade e da proporcionalidade.

Cotidianamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é acionado para estabelecer a correta interpretação jurídica nos conflitos que envolvem esse tema.

Ato que elimina candidato de concurso público pode ser revisto

No julgamento do AREsp 1.806.617, a Segunda Turma destacou que a discricionariedade administrativa não é imune ao controle judicial, especialmente diante da prática de atos que impliquem restrições a direitos dos administrados – como a eliminação de concurso público –, cabendo à Justiça reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo (competência, forma e finalidade, além da razoabilidade e da proporcionalidade).

Com esse entendimento, os ministros acolheram recurso especial de um candidato reprovado na fase de investigação social em concurso da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) por ter admitido o uso de drogas oito anos antes do certame.

Ao determinar a reintegração do candidato ao concurso, o colegiado considerou, entre outras razões, o fato de ele já exercer um cargo no serviço público; o longo período desde que teve contato com entorpecentes e a sua aprovação na investigação social em outro concurso para a carreira policial, no Maranhão.

Na avaliação do relator, ministro Og Fernandes, impedir o candidato de prosseguir no certame, além de revelar uma postura contraditória da administração – que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos seus quadros – acaba por aplicar uma sanção de caráter perpétuo, “dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social”.

Controle jurisdicional de critérios de correção de provas em concurso

A jurisprudência do STJ segue o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), firmado no julgamento do Tema 485, segundo o qual, em regra, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas em concurso público, visto que sua atuação deve se limitar ao controle da legalidade do certame. Em alguns casos, a contestação de candidatos aos critérios de correção da banca examinadora pode envolver uma controvérsia sobre legalidade.

Sob a relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma deu provimento ao RMS 58.373, interposto por candidatos de um concurso para juiz substituto no Rio Grande do Sul, e reconheceu a nulidade da prova prática de sentença cível e criminal, determinando que outra fosse realizada pela banca examinadora.

Os candidatos alegaram ilegalidade em razão da falta de transparência quanto aos critérios de correção das provas práticas, pois não foram divulgados os espelhos com a atribuição das notas aos itens considerados necessários. Segundo eles, os parâmetros divulgados eram genéricos, o que prejudicou a sua defesa no âmbito administrativo.

No caso, o magistrado verificou que o espelho de prova apresentado pela banca possuía padrões de resposta genéricos, sem detalhar quais matérias a comissão entendia que deveriam ser abordadas para que a resposta fosse correta, o que impossibilitou aos candidatos o exercício do contraditório e a ampla defesa.

Somente após a interposição do recurso administrativo, afirmou o relator, é que a administração apresentou, de forma detalhada, as razões adotadas para a fixação das notas, “invertendo-se a ordem lógica para o exercício efetivo do direito de defesa, em que primeiro o candidato deve ter conhecimento dos reais motivos do ato administrativo para depois apresentar recurso administrativo contra os fundamentos empregados pela autoridade”.

Por identificar ilegalidade no ato de divulgação do espelho de prova, Herman Benjamin entendeu que o caso se amoldava à ressalva da parte final do precedente firmado pelo STF: “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.

Motivação deve ser anterior ou concomitante ao ato

Ao lembrar que a motivação do ato administrativo deve ser anterior ou concomitante à sua prática, a Primeira Turma negou recurso especial com o qual o Estado do Piauí pretendia manter a remoção de um policial militar da cidade de Teresina para Bom Jesus.

O colegiado acompanhou o relator do AREsp 1.108.757, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), que considerou ilícito o fato de a motivação para a remoção do policial ter sido apresentada só após a prática do ato administrativo.

“Caso se permita a motivação posterior, dar-se-á ensejo para que se fabriquem, se forjem ou se criem motivações para burlar eventual impugnação ao ato”, afirmou. Para o ministro, não se pode admitir que, diante da contestação na via judicial ou administrativa, o gestor construa uma motivação para validar o ato administrativo.

O magistrado lembrou que o princípio da motivação regula a condução dos atos administrativos que negam, limitam ou afetam direitos e interesses do administrado. Segundo ele, para que o ato administrativo seja válido, deve observar, entre outros, os princípios da impessoalidade, da licitude e da publicidade – pilares do direito administrativo –, que se fundem na chamada motivação, que é a apresentação das razões fáticas ou jurídicas determinantes da expedição do ato.

Controle de atos administrativos de estabelecimento prisional

No REsp 1.378.557, a Terceira Seção unificou o entendimento das turmas de direito criminal e estabeleceu que, embora o juiz da vara de execuções penais possa exercer,  quando provocado, o controle de legalidade dos atos administrativos praticados pelo diretor do presídio, não lhe é permitido adentrar em matéria de atribuição exclusiva da autoridade administrativa, como a instauração de procedimento para apuração de falta disciplinar pelo preso, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. 

O colegiado manteve acórdão no qual o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou nula a decisão do juízo da Vara de Execução Penal de Porto Alegre que instaurou procedimento judicial para apurar o cometimento de falta disciplinar por um detento e, após a manifestação da defesa e do Ministério Público na audiência de justificação, reconheceu a prática de falta grave e determinou a alteração da data-base para futuros benefícios.

Os ministros acompanharam a conclusão do TJRS de que a sanção disciplinar constitui ato administrativo vinculado, necessariamente precedido de procedimento administrativo com a garantia do direito de defesa, cuja competência é do administrador do presídio.

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que, no âmbito da execução penal, a atribuição de apurar a conduta faltosa do detento, assim como verificar se ela corresponde a uma falta leve, média ou grave, conforme a norma legal, é do diretor do presídio, em razão de ser o detentor do poder disciplinar.

“O diretor do presídio deve apurar a conduta do detento, identificá-la como falta leve, média ou grave, aplicar as medidas sancionatórias que lhe competem, no exercício de seu poder disciplinar, e, somente após esse procedimento, quando ficar constatada a prática de falta disciplinar de natureza grave, comunicar ao juiz da vara de execuções penais para que decida a respeito das referidas sanções de sua competência, sem prejuízo daquelas já aplicadas pela autoridade administrativa”, afirmou Bellizze.

Prazo prescricional para impugnar atos com nulidade

Mesmo no caso de ato administrativo contaminado por nulidade, os efeitos decorrentes não poderão ser afastados se, entre a data de sua prática e o ajuizamento da ação, já tiver transcorrido o prazo prescricional previsto para a correspondente hipótese fática, salvo flagrante inconstitucionalidade.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.782.024, em que o colegiado reconheceu a prescrição de ação na qual o São Paulo Futebol Clube buscava a decretação de nulidade da marca ST Sócio Torcedor. Os ministros aplicaram a regra do artigo 174 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), que fixa em cinco anos o prazo para declarar a nulidade do registro, contados da data de sua concessão.

O recurso teve origem em ação anulatória movida pelo São Paulo, em que foi discutida a anulação do registro de exclusividade de marca. A concessão da marca ST Sócio Torcedor ocorreu em 2002, e o processo de anulação foi proposto em 2010.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou em seu voto que o artigo 54 da Lei 9.784/1999 é regra geral destinada ao administrador público, que lhe confere o direito potestativo de anular seus próprios atos no prazo de cinco anos, sob pena de convalidação pelo decurso do tempo.

Para a magistrada, entender que a ação de nulidade seria imprescritível equivaleria a esvaziar completamente o conteúdo normativo do dispositivo invocado (artigo 174 da LPI), “fazendo letra morta da opção legislativa e gerando instabilidade, não somente aos titulares de registro, mas também a todo o sistema de defesa da propriedade industrial”.

Ao concluir o voto, a ministra afirmou que a imprescritibilidade não constitui regra no direito brasileiro, sendo admitida somente em hipóteses “excepcionalíssimas”, que envolvem direitos da personalidade, estado das pessoas ou bens públicos, e que casos como o do recurso em julgamento devem se sujeitar aos prazos prescricionais do Código Civil ou das leis especiais.