Data produção: 26/02/2023
AUTORES: Afonso José Simões de Lima e Lucas Naif Caluri
Há um crescente volume de variados golpes praticados contra correntistas bancários, com significativa parcela de idosos entre suas vítimas. Numa análise simplista, os idosos seriam vitimados por conta de sua ingenuidade ou, ainda, em razão de sua pouca familiaridade com as modernidades do chamado internet banking.
Mas, seriam essas as razões determinantes que os tornam vítimas supostamente preferenciais desses golpes?
O fato que se constata é que os bancos ditos digitais se lançaram em competição desenfreada na busca de novos clientes, ao que tudo indica sem cautelas cadastrais efetivamente seguras. Essa falha acaba por incorporar ao sistema bancário fraudadores que se ocultam através de “laranjas” que emprestam, alugam ou vendem seus dados pessoais e CPFs ou até mesmo através de quaisquer terceiros, que ignoram o uso fraudulento que os criminosos fazem dos respectivos dados pessoais.
Todos os relatos das vítimas dão conta de que, mesmo tendo comunicado de imediato a ocorrência do golpe ao atendente do banco digital envolvido, este limita-se a pedir o envio de ocorrência policial, sem qualquer providência quanto a um bloqueio provisório do valor indevidamente transferido.
Esse procedimento não evita nem minimiza o prejuízo causado à vítima, mas apenas e tão somente formaliza documentalmente que a rápida comunicação telefônica do fato não fora acompanhada do B.O. Policial.
Enquanto isso, o fraudador vai praticando sucessivos saques até esgotar os valores transferidos, além de cometer outros golpes, alcançando novas vítimas.
Os idosos de hoje lembram-se do rigor dos procedimentos que eram adotados na época em que todos os bancos eram “analógicos”, pois em geral, além do atendimento presencial, o novo cliente precisava da apresentação de outros dois correntistas bancários e somente tinha acesso aos talões de cheque após uma certa movimentação da conta. Ou seja, golpes certamente existiam, mas jamais com a frequência e com os danos que hoje se constatam.
As inúmeras ações judiciais contra os bancos digitais têm revelado que tais instituições ainda não se deram conta de que a causa principal e facilitadora da prática criminosa tem origem na falha cadastral dos novos correntistas. Adotar as antigas cautelas dos bancos “analógicos” eliminaria ou reduziria significativamente a prática dos golpes.
É sabido que os recursos de inteligência artificial hoje existentes e largamente utilizados pelas empresas de cartões de crédito minimizam a ocorrência de fraudes, pois conseguem detectar desvios do comportamento padrão do usuário.
Lamentavelmente, as providências adotadas até aqui pelo próprio Banco Central e, principalmente, pelos bancos digitais parecem ser apenas cosméticas, sugerindo opções ao correntista inocente que, ao fim e ao cabo, restringem seus próprios direitos, como a adoção de valores limitados para uso do PIX, além de recomendações de segurança que, embora tenham sua importância, exigem que o consumidor bancário seja um expert em segurança digital.
Infelizmente, nada disso desata o nó górdio da questão: a admissão de fraudadores ocultos no sistema bancário!
E essa é a chamada responsabilidade objetiva dos bancos digitais, ou seja, aquela que independe da análise da culpa, uma vez que assim está definido no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, cuja aplicabilidade já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula nº. 297.
Cabe destacar que a sistemática adotada até aqui afronta o § 2º do Art. 3º. da Resolução 3.694/2009 do Banco Central, o qual ressalta que a prestação de serviços por meios alternativos aos convencionais é admitida desde que adotadas as medidas necessárias para preservar a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas, assim como a legitimidade dos serviços prestados, em face dos direitos dos clientes e dos usuários.
Não é razoável, portanto, atribuir-se ao consumidor vitimado – muito menos ao consumidor idoso! – a “culpa” por ter sofrido o golpe de criminoso oculto, que nunca será identificado.
É importante observar que geralmente os criminosos obtêm, num primeiro momento, os dados dos celulares dos filhos das vítimas e, passando-se por eles, engendram ardilosas mensagens, “informando-os” de uma alegada troca de número de celular e, a partir daí, conseguem induzir as vítimas a efetuarem depósitos.
Em virtude do acesso desses fraudadores ao teor das mensagens no celular “clonado”, tais criminosos conseguem construir diálogos verossímeis, ludibriando suas vítimas.
Exigir dos pais idosos que estejam permanentemente atentos a uma infinidade de práticas criminosas, criativas e convincentes, atribuindo-lhes culpa exclusiva pela fraude, não é um procedimento justo, nem moralmente correto, pois esses pais, tais e quais os espectadores de um número de ilusionismo, não têm condições de desvendar, no momento da sua aplicação, as artimanhas que se escondem em cada tipo de golpe.
Fora isso, não há dúvida de que esses pais são mobilizados para “fazerem um PIX” não por interesse próprio, mas sim por um sentimento nobre, qual seja o de ajudar o filho ou filha a resolver um problema financeiro urgente, segundo o roteiro traçado pelo fraudador.
Logo, o ponto a ser atacado passa longe da vítima e configura, sem dúvida nenhuma, a responsabilidade objetiva dos bancos digitais, que precisam aprimorar seus procedimentos de inclusão de novos clientes ao sistema bancário, essa sim causa maior da proliferação dos golpes que assola o meio bancário.
Já não são poucas as pessoas que se recusam a fazer o uso do PIX pelo receio dos mais variados golpes que minam a sua credibilidade e confiança.
Nesse ponto, cabe ao Banco Central fazer valer suas normas, em especial o citado § 2º do Art. 3º. da Resolução 3.694/2009, compelindo os bancos digitais a cumpri-las, pois se o PIX é reconhecido como uma iniciativa de sucesso, é importante que tenha sua imagem preservada.
Afonso José Simões de Lima – OAB/SP 34.229 (AASP nº 110.861)
Bacharel em Direito pela PUC – Campinas
Especializado em Gestão da Qualidade pela UNICAMP
Certificado de Proficiência em inglês pela Universidade de Michigan, EUA
Ex-advogado da Telesp S.A. e Telefônica Brasil S.A.
Advogado e Sócio do Escritório de Advocacia Zanella, Naif e Lima, advogados associados.
Lucas Naif Caluri – OAB/SP 153.048 (AASP nº 78.475)
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Carlos;
Especializado em Processo Civil pela PUC – Campinas;
Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba;
Doutorando em Direito pela Universidade Mackenzie de São Paulo;
Professor Universitário;
Advogado e Sócio do Escritório de Advocacia Zanella, Naif e Lima, advogados associados.