Autor: Renato José Cury

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Autor: Pedro Augusto de Jesus

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Autora: Tania Kyrissoglou:

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Texto redigido em: 1º.4.2024

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A contagem de prazos processuais faz parte da prática dos advogados e é de extrema importância para atuação em juízo e, em última instância, para a tutela do direito material, cuja atuação e declaração é um dos principais objetivos do direito processual.

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Desde o início do atual século, os operadores do direito (juízes, advogados públicos e privados, Ministério Público etc.) têm vivenciado inúmeras transformações relativamente às regras jurídicas que regulam a relação entre Estado-juiz e partes, além do procedimento para prestação da tutela jurisdicional.

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No que toca à prática dos atos processuais, relevante transformação, quiçá a principal, está relacionada à forma de prática dos atos processuais e de sua documentação. Vivencia-se, na atualidade, uma transição do físico para o digital, impactando no modo da realização dos atos processuais, em suas dimensões formal, territorial e temporal (arts. 212 e seguintes do CPC).

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Em relação ao aspecto temporal do ato processual a ser praticado eletronicamente, importante marco na regulamentação da matéria foi a Lei 11.419/2006 (“Lei do Processo Eletrônico”) que foi promulgada com a missão de regulamentar o processo eletrônico, então, muito incipiente no sistema jurídico brasileiro. Quase 10 (dez) anos depois, adveio o atual Código de Processo Civil (“CPC”), promulgado em 2015 e vigente desde março de 2016.

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Como não poderia deixar de ser, o CPC também regula aspectos do processo eletrônico, como a prática de atos e contagem de prazos. Basta observar os arts. 212, §3º, 213, 224, 229 e 231 do diploma processual. E isso apenas para mencionar alguns exemplos.

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Diante da regulamentação simultânea de uma mesma matéria na legislação, por duas leis distintas, abriu-se margem para o conflito de normas jurídicas, expressamente regulamentado na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (“LINDB”), sobre o que não apenas os intérpretes, mas também os operadores devem estar sempre atentos.

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Delineado todo este cenário, o confronto das regras referentes ao processo eletrônico, contidas na Lei do Processo Eletrônico e no CPC, parece evidenciar um possível conflito entre os teores do §3º do art. 5º da Lei 11.419/2006 e do inciso V do art. 231 do CPC. Para melhor visualização da questão, conveniente reproduzir as redações dos dispositivos legais:

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Lei do Processo Eletrônico

CPC

“Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.[…]§ 3º A consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.” (grifo nosso) “Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:[…]V – o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica;” (grifo nosso)

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Indaga-se, assim: como interpretar os dispositivos? Os dispositivos são compatíveis? Há alguma regra que deve preponderar em caso de conflito?

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Os dispositivos contêm normas jurídicas incompatíveis, na parte em que disciplinam o dia da efetiva intimação. O primeiro diz que a intimação tácita coincidirá com a “data do término” do prazo para consulta da intimação no portal. Ao passo que o segundo fala que a intimação ocorrerá no “dia útil seguinte” “ao término do prazo para que a consulta se dê […]”.

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Acredita-se que deverá preponderar a regra mais recente em detrimento da regra mais antiga. A celeuma é facilmente resolvida pelo teor do §1º do art. 2º[1] da LINDB, que consagra o antigo brocardo lex posterior derogat priori (tradução livre: lei posterior derroga a anterior), ainda que não tenha ocorrido a revogação expressa.

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A questão é da mais alta relevância! Atentando-se à redação do §3º do art. 5º da Lei do Processo Eletrônico (vide acima) – hipótese em que não há a leitura do teor da decisão dentro do prazo de 10 (dez) dias corridos – uma interpretação possível seria de que o início do prazo coincidiria com o 10º (décimo) dia para a leitura automática.

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Contudo, como visto acima, o inciso V do art. 231 do CPC é claro ao afirmar que o começo do prazo tem início no dia útil subsequente ao término do prazo da consulta quando a intimação for eletrônica.

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Há, pois, diferença substancial entre as regras confrontadas relativamente ao início de prazo. A esse respeito, vale rememorar a sutil e extremamente relevante diferença entre “início do prazo” (dies a quo) e o “início da contagem do prazo”. O início do prazo é regulamentado pelo art. 231 do CPC que é assim iniciado “considera-se dia do começo do prazo (…)”. Já o início da contagem de prazos é regulamentado pelo art. 224 do CPC que diz: “[s]alvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.”

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Como leciona Daniel Amorim Assumpção Neves, os incisos do artigo 231 “preveem o termo inicial de fluência do prazo” e continua, “a data de início de fluência do prazo não é computada para sua contagem”, o que reforça a necessidade de se diferenciar o começo do prazo e o modo de contagem do prazo.[2]

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A preponderar qualquer uma das regras jurídicas discutidas neste breve ensaio, percebe-se que a forma de contagem de prazos seria sensivelmente afetada. Pense-se na seguinte situação: um processo eletrônico, em que a intimação com o teor de uma sentença foi expedida de forma eletrônica (leia-se, no portal eletrônico) ao advogado da parte cadastrado em 21 de novembro de 2023, com prazo máximo de leitura para o dia 30 de novembro de 2023. Considerando que não teve acesso ao teor da decisão no prazo de 10 dias corridos, vislumbram-se dois cenários diferentes:

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– À luz do dispositivo da Lei do Processo Eletrônico, a data do início do prazo poderia ser identificada com o exato dia da intimação tácita, ou seja, em 30 de novembro de 2023 (quinta-feira). Segundo a redação do §3º do art. 5º, combinada com a regra habitual de cálculo, a contagem do prazo de 5 (cinco) dias úteis para embargos de declaração teria início em 1º de dezembro de 2023 (sexta-feira) e findaria em 7 de dezembro de 2023 (quinta-feira);

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– Adotando-se a norma do CPC, se a intimação tácita da parte ocorreu em 30 de novembro de 2023 (quinta-feira), o início do prazo ocorreu em 1º de dezembro de 2023 (sexta-feira). Logo, a teor do art. 224 do CPC, o cômputo do prazo iniciará apenas em 4 de dezembro de 2023 e, desconsiderando qualquer feriado ou suspensão do prazo, findará em 8 de dezembro de 2023, com o ganho de um dia útil de prazo.[3]

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Além do teor do art. 2º, §1º, da LINDB, a preponderância da norma do CPC poderia ser extraída da ideia da inteireza dos prazos processuais. Segundo a saudosa prof. Ada Pellegrini Grinover: “(…) a lei processual deve colocar o interessado em condições de conhecer o dies a quo e de utilizar, em sua inteireza, o tempo que lhe foi concedido, além de garantir-lhe a congruência concreta dos prazos a que se subordina a realização dos atos judiciais (…). (…) com relação aos prazos, a interpretação a ser dada à norma deve ser sempre consentânea com a garantia de sua inteireza, de modo que, em concreto, o prazo estabelecido em lei (…) leve à efetiva possibilidade de tutela”[4].

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Inescapável, portanto, a conclusão de que o art. 231, V, do CPC, deve preponderar se confrontado com o §3º do art. 5º da Lei do Processo Eletrônico. É a interpretação mais conforme com a segurança jurídica, o contraditório e a ideia da necessidade de se assegurar plena inteireza dos prazos processuais.

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Isso não significa que, na prática do dia a dia, alguns cuidados não tenham que ser observados. Diante da possibilidade de conflito interpretativo, como já destacado, por cautela, recomenda-se o cálculo de prazo do modo mais conservador possível, até que exista uma manifestação clara dos tribunais brasileiros sobre a matéria.

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[1] Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

  • 1oA lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 389.

[3] Esta interpretação é referendada por André Roque: “Aqui também, portanto, à semelhança da hipótese da comunicação por edital, houve pequena mudança no CPC: entre a data da consulta ou o último dia para a comunicação tácita e o prazo processual propriamente dito, haverá pelo menos um dia útil (dia do começo), que não se contabiliza nem como prazo para citação ou intimação tácita, nem na contagem do prazo processual que lhe suceder. O prazo processual propriamente dito somente será computado a partir do segundo dia útil após os eventos relacionados no art. 231, V.” (Comentários ao art. 231. In: Gajardoni, Fernando da, F. et al. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022. p. 358).

[4] Novas tendências do direito processual de acordo com a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 37-38.

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Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da AASP .

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Renato Cury

Minibio: Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Presidente da AASP no biênio 2019-2020. Associado AASP desde 1998.

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­Pedro Augusto de Jesus

Minibio: Doutor em Direito Processual (USP).

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­Tania Kyrissoglou

Minibio: Graduada pela PUC-SP. Pós-graduanda em Direito Digital na FGV-SP.

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